terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Que Deus não me ouça!


Que Deus não me ouça, mas quando dá tudo muito certo na vida, a chance dessa vida perfeita tornar-se monótona é grande (já ouço o coro de uma minoria: invejosa, mal amada!!). E, antes que o coro aumente, não estou desejando uma vida recheada de acontecimentos ruins, mas, sim, de acontecimentos inusitados que, na maioria das vezes, nos levam a questionar planos e comportamentos que aparentemente são perfeitos.
Então, a minoria que me desculpe, mas sofrer o impacto de variáveis que influenciam e mudam os nossos planos perfeitos tem também seu lado positivo. Saímos da zona de conforto, e passamos a enxergar, de forma diferente, padrões e comportamentos que nos são apresentados como normais.
Tentei ter uma vida linear, mas meus esforços foram em vão. Ao invés de fixar raízes em um único lugar, morei em diversas cidades, além de Niterói – RJ, onde nasci: Curitiba, Salvador, San Diego, na Califórnia e Florianópolis. Casei-me. Cinco anos depois me separei. Tenho 37 anos. Não tenho filhos. Formei-me em Publicidade e Propaganda, mas sempre trabalhei na área de marketing. E, dentre todos os acontecimentos que de alguma forma “entortaram” minha vida, o divórcio foi o que mais me marcou. É sempre uma fase difícil, angustiante, devastadora. É a destruição de um cenário, supostamente perfeito, no qual todos querem estar. Foi nessa fase que, assistindo ao filme “O Clube da Luta”, achei ter encontrado a resposta para tudo o que estava acontecendo na minha vida, quando o ator Edward Norton falou: “você deve aceitar a idéia de que, de repente, Deus não gosta de você”. Aí estava a chave de tudo: a força superior estava contra mim, queria castigar-me. Até que percebi o quão idiota era esse pensamento, e virei o jogo. Comecei a pensar que sempre existe um lado positivo até mesmo nos acontecimentos que jogam por água abaixo tudo aquilo que projetamos. Passei a enxergar que, quando uma variável qualquer muda o curso de nossas vidas, conseguimos analisar as coisas sob outro ângulo, ângulo esse que fica escamoteado quando vivemos de forma linear, padronizada, pasteurizada.
A partir daí vi o quanto é mais leve e fácil rirmos das nossas desgraças, sermos sarcásticos diante das intempéries e mini-catástrofes do nosso dia-a-dia. E que sempre, seja lá com o que ou com quem estivermos lidando - um objeto, a natureza, um comportamento, o próprio ser humano - podemos encarar sob outra perspectiva.
Foi assim que resolvi escrever. Sobre coisas que me irritam, sobre padrões de comportamento que já não me parecem tão naturais, sobre acontecimentos que podem levar qualquer ser humano até a tênue linha entre a sanidade e a loucura. Mas o “olhar” sobre todas as coisas que escrevi é um “olhar” diferente, desconfiado, debochado. Busquei rechear cada um dos textos com humor e sarcasmo. Porque levar a vida muito a sério, só encurta o tempo que temos para aproveitá-la. E que Deus não me ouça!

Inverno ou Inferno? Só muda uma letra...


A unanimidade é burra. A frase de Nelson Rodrigues é sábia. Por isso, desculpem-me os que gostam, mas eu odeio o inverno. O meu ódio pode até ser atribuído ao fato de eu ter deixado os 40° do Rio de Janeiro, depois de 28 anos, para sobreviver às baixas temperaturas de Curitiba. Mas não é um ódio gratuito. Posso listar alguns motivos que me fazem desejar a total eliminação dessa estação do ano e, antes que me perguntem, não sou a favor do aquecimento global.
Desde os primórdios, o inverno não era associado a coisas positivas. O paraíso, por exemplo, retratado em Gênesis, tem como principais habitantes Adão e Eva. E por acaso algum dos dois está vestido com casaco de lã e cachecol? Claro que não! O paraíso é quente, e a vestimenta deles se resume a uma pequena folha de parreira. Já o inferno é descrito como um lugar quente e cheio de labaredas. Na minha opinião, o inferno era gelado, mas o diabo, não suportando o frio, decidiu fazer uma enorme fogueira e acabou incendiando todo o local.
Os diretores de filmes de terror, por exemplo, têm uma visão negativa do inverno. Ou alguém se lembra de algum filme desse gênero que tenha, como pano de fundo, uma praia ou qualquer cenário colorido característico do verão? Quando o gênero é terror não há escapatória, os filmes estão sempre emoldurados por uma paisagem fria, cinza e escura.
Pensem que de inverno para inferno só muda uma letra. As plantas secam, pessoas morrem de hipotermia, ficam resfriadas; a maioria das atividades tem que ser indoor. Tudo, absolutamente tudo, precisa de um ritual.
Quando me mudei para Curitiba, lembro que meu primeiro martírio foi tomar banho. Transformava o banheiro na abertura do seriado “Além da Imaginação”. Conseguia o efeito da fumaça com o chuveiro ligado no quente máximo. Após essa fase, vinha o banho em si. A água e um lança chamas passavam a ser sinônimos. E quando resolvi seguir o ritual que adotava quando morava no Rio? Banho morno e uma gostosa chuveirada gelada no final. Quando dei essa chuveirada e a água gelada atingiu minha cabeça, tive certeza de que metade das minhas idéias desapareceu do meu cérebro. A água gelada tinha a temperatura equivalente à água que se acumulava na gaveta do congelador.
E como se comportar diante do vaso sanitário? Já que não contamos ainda com a tecnologia japonesa dos assentos aquecidos, a ginástica, pelo menos a que adotei, era primeiro sentar-me sobre as mãos para, aos poucos, ir permitindo o contato da coxa com a tampa. É preciso também desenvolver a capacidade de prever, com pelo menos cinco minutos de antecedência, a vontade de ir ao banheiro, pois tirar toda a roupa pode levar algum tempo. Existe ainda o agravante de que, nessa “maravilhosa” época do ano, transpiramos menos e acabamos urinando mais, sendo maior o número de vezes que temos que visitar o banheiro.
Ainda há os entusiastas do inverno que afirmam, veementemente, ser essa a época do ano em que nos vestimos melhor, ficamos mais elegantes. Vale para quem nasceu em um lugar frio. Mas para quem, como eu, cresceu no Rio de Janeiro, saber se comportar e se movimentar com tanta roupa é quase o mesmo desafio de aprender uma arte marcial. A quantidade de roupa é tão grande que os movimentos mais básicos são travados. Alguém por acaso consegue teclar no computador vestindo uma luva de lã? E o tal do sobretudo? Esse foi o mais traumático para mim. Era praticamente a capa do Batman só que sem seus superpoderes.
Voltando à Curitiba, lembro-me de ter experimentado quase todas as doenças respiratórias. Todas acompanhadas da maldita corisa. Conviver com corisa é quase o equivalente a ser torturada com pequenas e contínuas alfinetadas. A secreção mucosa vai sendo eliminada na velocidade de uma goteira e o nariz vai sendo ininterruptamente esfolado, até você ter a convicção de que prefere arrancá-lo e passar a respirar apenas pela boca. E para sobreviver na cama, na hora de dormir? Lembro-me de ter que passar o ferro no lençol antes de me deitar; do contrário, era a mesma sensação de mergulhar em uma piscina gelada.
Quando já morava em Florianópolis, fui visitar a minha grande amiga Rosa, em Curitiba. Dormi no sofá-cama do seu quarto de hóspedes. Ciente da minha ojeriza pelo frio, ela me cobriu com um edredom, um lençol e um cobertor de lã – todos da sua cama principal que era king-super-mega-ultra-size. Depois que me deitei embaixo de tudo isso, tive um ataque de claustrofobia. Senti que estava em um treinamento para sobrevivência em soterramento. No meio da noite, queria levantar para fazer xixi e não conseguia sair de todo aquele peso. Pensei até em pedir ajuda pelo celular. E qual é a dica para uma pessoa agitada como eu que muda de posição pelo menos vinte vezes antes de pegar no sono, lidar com tamanho peso de cobertas? Até conseguir a posição ideal você se torna praticamente uma toalha retorcida.
Existem ainda aqueles que dizem ser o inverno a melhor estação do ano para namorar. Então porque será que as pessoas, ao invés de fazerem sexo na temperatura real dessa estação, simulam, com o aquecedor, um dia de verão no quarto.
Não adianta, tudo no inverno acaba se tornando negativo. Se você está na praia em um dia de verão e bate uma brisa, é uma bênção. Já no inverno, qualquer sopro de ar nos faz arrepiar dos pés à cabeça. Por que Deus não pensou em conceber um vento quente para o inverno? E as propagandas na TV? No verão, assistimos a um desfile de propagandas com pessoas felizes, cheias de saúde, na praia, tomando cerveja. Já no inverno, inicia-se a maratona dos comerciais relacionados a doenças: é remédio para resfriado, pneumonia, asma, nariz entupido, e por aí vai.
Apesar dos meus argumentos, tenho sempre que lidar com aqueles que querem me convencer que o inverno é bom. Mas, por mais que me tentem provar o contrário, eu odeio o inverno e ponto final. Acostumar-me com ele, nunca. Conformar-me, estou tentando...

A intenção de Satã


Acreditem: se satã fez um esboço de como dominaria o mundo, o computador estava incluído nesse rascunho como sua principal arma psicológica para danificar a mente humana. A parte angelical dessa máquina nos ilude. O teclado é para nos dar a sensação de estarmos no comando. A tela é recheada de cores e ícones para parecer que estamos em um mundo mágico, onde tudo é possível. Entretanto, o cérebro da máquina está na CPU, local praticamente proibido para nós, leigos. A maldita tem um disco rígido. Não é flexível, é rígido.
Contando que passamos grande parte do nosso dia no trabalho e que, atualmente, a maioria das profissões são exercidas com o auxílio do computador, podemos concluir que somos torturados e atormentados por essa máquina incessantemente.
Algumas das mensagens emitidas, atestam os requintes de crueldade a que estamos expostos. Uma das mais irritantes, e que me leva a esmurrar a mesa na esperança de frear o ímpeto de dar marretadas no computador é “este programa não está respondendo”. O gerúndio é totalmente enganador; dá-nos a ilusão de que, em algum momento, ele pode vir a responder, o que é uma grande mentira. A mensagem correta seria: o computador decidiu que, a partir desse momento, não responderá mais aos seus comandos. E, com o intuito de aumentar a nossa raiva, com a decisão de que ele não irá mais responder, os dados digitados e não-salvos ficarão congelados bem em frente aos nossos olhos, como se estivessem em um mundo paralelo, inatingível a nós, humanos.
Uma outra mensagem que me faz ter saudades da máquina de escrever é “não foi possível reconhecer o teclado. Por favor, pressione a tecla F1 para solucionar o problema”. Essa nem Einstein conseguiria resolver.
Outro comunicado irritante é “esta página está com erro irreparável. Clique Ok para fechá-la.” Primeiro, o que ele faz questão de desprezar e que chama de “esta página” nada mais é do que o trabalho que levamos horas para digitar e nos esquecemos de salvar. Mas, o pior, é mandar que a gente clique no ok para fechar a página. Clique no ok? Ok para quem?
O melhor é quando aparece a mensagem bombástica de que “está página contém alguns itens que não são seguros. Deseja exibi-los?”. É como se alguém perguntasse: nessa sala estão reunidos Saddam Hussein, Fernandinho Beiramar e Hitler, todos eles armados e furiosos. Você deseja entrar?
Acredito ainda que a impunidade deva imperar no mundo da informática, já que os computadores se sentem no direito divino de nos fazer acusações injustas, baseadas no nada. Como, por exemplo, “você realizou uma operação ilegal e este programa será fechado”. Normalmente, essa acusação acontece quando estamos simplesmente olhando para a tela, sem sequer tocá-lo. É como ser acusado de um crime que você nem sabe aonde ocorreu. Aliás, os policiais de elite deveriam fazer um treinamento psicológico anterior à prática, que consistiria em trabalhar por um mês como usuários de computadores. Após o período estipulado, aqueles que não enlouqueceram estariam preparados para qualquer situação de pressão e suspense. Porque ter como companheiro de cotidiano o computador, é agüentar a constante pressão de acabar logo o que deve ser feito, antes que algum problema inédito apareça, e sobreviver ao suspense de ser interpelado a qualquer momento por mensagens indecifráveis.
Falando em indecifrável, os programadores poderiam nos poupar das charadas e das mensagens incompreensíveis que invadem nossos olhos. Mensagens “esclarecedoras” como ““0x2753a7d0” fez referência à memória no “0x2753a7d0”. A memória não pode ser “read”. Clique em OK para encerrar o programa”. E ficamos lá, pasmos, como se estivéssemos falando com algum estrangeiro, de cuja língua não sabemos nem o básico.
Não é a toa que, em um parque em Los Angeles, você pode pagar dez dólares para destruir a marretadas um computador completo. Uma forma deliciosa de exorcizar nossa raiva sobre essa engenhoca que consegue, concomitantemente, facilitar e atormentar nossa vida.