segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Apertem os cintos!



Por ter morado em diversos lugares, os aeroportos, durante muito tempo, quase se transformaram na minha segunda casa. Foram inúmeras chegadas recheadas de alegria e expectativa de matar saudades e várias despedidas preenchidas com o vazio de deixar para trás, mesmo que por pouco tempo, as pessoas ou lugares que eu amava.
Mas o problema maior não era o aeroporto, e sim o fato de que nunca gostei, não gosto e nunca vou gostar de andar de avião. Sendo mais sincera, toda vez que opto por viajar pelo ar, já parto do pressuposto de que vou morrer. Meu ex-marido sempre argumentava:
- Fica tranqüila, se o avião cair são 99,99% de chance de você não sobreviver.
Relaxante, não?
Apesar do medo nunca deixei de voar, e sempre entro no avião com um olhar altivo, ao mesmo tempo desinteressado, como se estivesse indo à padaria. Simulo uma falsa segurança, pois acredito que se as pessoas perceberem o meu medo vão achar que eu sou algum tipo de idiota que está voando pela primeira vez.
Quando trabalhei na Renault tinha que viajar muito, e pensei que, com essas experiências compulsórias, acabaria me acostumando. Puro engano. Quanto mais você voa mais conhece os barulhos do avião, e qualquer ruído fora do padrão faz você congelar de medo.
Aliás, Deus podia ter-nos concedido a capacidade de voar. Pelo menos, assim teríamos em nossas mãos o total controle da viagem. Mas, como ele preferiu dar asas aos insetos e pássaros, dependemos da competência dos outros. Por isso, sempre tento achar uma solução que amenize meu medo. Uma das melhores que já concebi, mas nunca coloquei em prática, era me dopar com um lenço embebido em éter e ficar apagada durante todo o vôo. Quando acordasse, descobriria se estava viva ou morta.
O fato é que todo o processo, desde o check in até a saída do avião, é uma via crucis para mim. Cada etapa com a sua peculiaridade.
Abril de 2007. Aeroporto Santos Dummont. 5h30 da manhã. Cheguei ao check in, debrucei-me sobre o balcão, e entreguei o papel com o localizador do vôo para um simpático atendente chamado Marcos.
- Bom dia!
- Bom dia, é para São Paulo? – perguntou Marcos.
- Não, é Florianópolis, com conexão em São Paulo – disse eu.
- Vôo das 6h40? – ele questionou.
- Isso! – Confirmei.
- Pois hoje é o seu dia de sorte! – ele exclamou com um brilho nos olhos.
- Por quê? - perguntei apreensiva.
- Porque acabo de verificar que há uma vaga...
Instantaneamente tive vontade de colocar os dedos nos ouvidos e começar a cantar bem alto para abafar o complemento daquela frase.
- ...no vôo de 6h20 – disse o Marcos com um sorriso de ponta a ponta.
Com vontade de esganá-lo, esbravejei:
- O Sr. tem noção do que acabou de fazer?
- Não - respondeu ele com cara de ponto de interrogação.
- O Sr. acabou de colocar o destino da minha vida nas minhas próprias mãos! Agora vou ser obrigada a escolher entre duas opções, e isso não estava nos meus planos. Pense no problema que o senhor me causou. Eu posso trocar o vôo de 6h40 pelo de 6h20 e este avião cair. Ou eu posso decidir por permanecer com o vôo de 6h40, quando escolher o de 6h20 seria a minha salvação, pois o de 6h40 é o que vai cair.
- Mas minha senhora, nenhum avião vai cair – disse ele com um ar atordoado.
- O senhor não pode garantir isso, portanto não quero nem saber. Agora minha vida está em suas mãos. Caberá a você decidir em que vôo eu devo ir. E guarde bem o meu rosto, pois caso o avião escolhido por você caia, o senhor ficará com peso na consciência para o resto da sua vida.
Decidida e indignada, com a percepção de que o atendente teve a certeza de que eu era louca, dirigi-me à sala de embarque como um prisioneiro que caminha lentamente pelo corredor da morte. A sala de embarque é praticamente um zoológico recheado das mais variadas espécies: executivos, famílias em férias, adolescentes, idosos, etc. Um ponto que me intriga é quando os microfones anunciam:
- Srs. passageiros do vôo JJ3401 com destino a São Paulo: dentro de instantes daremos início ao embarque.
Existe um filtro auditivo que faz com que as pessoas ouçam:
- Srs. passageiros do vôo JJ3401 com destino a São Paulo, mesmo tendo assentos marcados, levantem-se imediatamente, briguem pelo primeiro lugar na fila e mofem por um tempo até o embarque começar.
E a fila quilométrica se forma.
Ticket entregue, avisto o avião imponente e preparado para receber seus passageiros. Nessa hora, um dos rituais que me deixam mais nervosa, adotado por algumas companhias aéreas, é fazer com que o piloto e co-piloto fiquem posicionados ao lado da escada de entrada do avião dando boas-vindas aos passageiros. Sempre encarei como um sinal do tipo: conheça aquele que será o causador da sua morte. Sem contar nos ímpetos de querer olhar bem fundo nos olhos do piloto e do co-piloto e dizer:
- Se deixarem esse avião cair eu juro que impeço a entrada de vocês no paraíso.
Ou perguntar:
- Vocês não deveriam estar na cabine verificando se está tudo ok e se concentrando para esse complexo trabalho que é pilotar um avião?Ainda nem tirei os pés do solo e a minha fobia de voar já começa a se manifestar. É o prenúncio do sofrimento que ainda está por vir. Santos Dummont devia ter parafusos a menos na cabeça; quem sabe até usou os parafusos retirados do próprio cérebro para construir com tanta ousadia e coragem essa máquina que nos dá, por alguns instantes, o privilégio de voar.

5 comentários:

  1. bah guria... que loucura!!!
    hahahaha
    Muito bom Tati!
    Fiquei com medo de voar agora...
    Bjs

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  2. Hahahahahaha...Muito, muito bom, Tati? Adorei a parte do atendente. Isso já aconteceu comigo...rs

    O pior disso tudo é que descobri que vc é uma tremenda cara de pau, pois sempre que falava que ia andar de avião vc tentava me tranquilizar...rss

    Adorei o blog. Bjos e saudades!

    Nilo

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  3. Tem convocação pra vc no blog. Confere lá!

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  4. Tati,

    Achei o texto genial! Muito engraçado!

    bjs,

    Alex Silva de Jesus
    www.linkedin.com/in/alexjesus

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  5. Tati.. Simplismente hilário este texto.... Muito bom mesmo. Parabéns... Bjao

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