segunda-feira, 13 de abril de 2009

E viveram felizes...por algum tempo


É o sonho de muitas, mas confesso que, para mim, nunca fez diferença. A minha imagem flutuando pelo corredor de uma igreja decorado com flores, vestida de véu e grinalda ao som de “My endless Love”, com o olhar focado no suposto príncipe encantado, definitivamente não fazia parte dos meus pensamentos descompromissados. Mas quando você é filha única mulher e decide juntar as escovas de dente, não tem escapatória. Seus ouvidos são inundados pelo discurso materno:
- Minha filha, não prive a sua mãe desse sonho. É a única alegria que me resta a esta altura da vida.
Eu não teria coragem de recusar um pedido tão choroso. Aceitei, mas ditei minhas condições: não quero decidir nada associado à cor de toalha, arranjo de mesa, lembrancinha, etc. Comprometo-me a estar lá na data e hora certa.
Casei-me em uma charmosa igrejinha no Ingá em Niterói, mas meu noivo era tijucano e a maior parte dos seus amigos morava do outro lado da ponte. O céu caiu no Rio de Janeiro e choveu torrencialmente. Para garantir, cheguei com dez minutos de antecedência, e confesso que estava começando a gostar daquele suposto contos de fada. Por causa da chuva a ponte fechou, e os padrinhos atrasaram. Como o padre não apoiava a tradição da noiva chegar atrasada, passados quinze minutos da hora marcada tive que tomar a atitude drástica de nomear convidados aleatórios para virarem “falsos” padrinhos.
As portas se abriram. Entrei de mãos dadas com o meu pai, morrendo de medo de tropeçar. Porque administrar um tombo de pernas trançadas com aquela saia justa de viscose e um véu de dois metros seria, pelo menos para mim, humanamente impossível. Fui avançando com passos de tartaruga. Eu só conseguia enxergar a fisionomia das pessoas no corredor num misto de abestalhamento com cara de alívio de quem fez xixi depois de segurar a bexiga por uma hora.
No meio do corredor, meu braço direito começou a doer. O buquê tinha uma base de madeira que pesava, pelo menos, 3 kg. Aliás, para que serve exatamente o buquê na hora da cerimônia? Se a função é decorativa, podíamos aplicar uma réplica no vestido para deixar livres as mãos da noiva.
Quando cheguei ao altar, tive certeza de que ganhei alguns graus na minha escoliose. Começou a tão esperada cerimônia e a minha seqüência de furos.
A primeira gafe foi na hora da troca de alianças. O noivo fez o juramento e colocou a aliança delicadamente no meu dedo. Era a minha vez. Com a minha aliança no dedo e a dele na mão, o padre pediu que eu fizesse o juramento e beijasse a aliança. Eu beijei a minha. O padre disse:
- Não, você tem que beijar a dele.
Na hora do juramento quase matei o padre do coração. Ele pediu que eu repetisse:
- Eu, Tatiana, recebo você, Augusto, como o meu marido...
Eu falei:
- Eu, Tatiana, recebo você, Frederico, como meu marido...
O padre ficou mais branco que a hóstia, arregalou os olhos para mim e disse:
- O nome dele é Augusto!
Sussurrei para ele:
- O nome dele é Augusto Frederico, mas eu só o chamo de Frederico.
A cerimônia acabou e, ainda no altar, preparei-me para desfilar novamente no corredor. Estava posicionada ao lado direito do Fred e a supervisora do cerimonial pediu para eu ir para o lado esquerdo. Tinha que existir um ensaio geral para guardar tantos detalhes. Tentei segurar o buquê de halteres na mão esquerda para não sobrecarregar o braço direito, mas fui vetada. Além da câimbra no braço, quase tive paralisia no rosto de tanto sorrir para as pessoas que agora tinham aquela fisionomia de quem observa um filhotinho de cachorro.
Aliviada por ter chegado à entrada da igreja, ainda tive que enfrentar o corredor de amigos preparados para o bombardeio de arroz, tradição inventada por hindus e chineses. Se eu estava preocupada em conseguir tirar todos os grampos que a cabeleireira enfiou no meu cabelo para sustentar aquele ninho de rato, agora imaginava a quantidade de grãos que ia ter que catar. Sou a favor da noiva carregar um saquinho de milho e jogar de volta nos convidados como agradecimento.
Entrei no carro sem olhar para trás com medo de encontrar o olhar recriminador da supervisora do cerimonial pela minha gafe de eu ter entrado pelo lado direito do carro e não pelo esquerdo que era a regra. Encostei a cabeça no banco do carro aliviada e pensei: se esse casamento der errado e eu tiver que casar de novo, vou exigir um ensaio geral. Não deu certo, mas até o presente momento continuo curtindo minha solteirice.

Maculando a memória de Graham Bell



Tamanho foi o meu espanto ao descobrir que existem questionamentos em relação ao verdadeiro inventor do telefone. Na escola, aprendemos que o autor dessa invenção foi Graham Bell. No entanto, alguns identificam Johann Philipp Reis como seu verdadeiro pai. Na tentativa de construir uma “orelha artificial” para aliviar a surdez da sua avó, este alemão acabou contribuindo para a concepção do telefone que conhecemos hoje. No primeiro aparelho que montou, utilizou componentes inusitados como uma salsicha, cuja pele foi esticada sobre uma rolha de cortiça para servir de microfone. Sabe-se Deus como uma pessoa, ao olhar para uma salsicha, pode ter tido o insight de que esse alimento funcionaria como um componente de um microfone. Além de Johann, Antonio Meucci, um italiano, também requisitou o crédito da invenção do telefone em 1980.
Enfim, independente de quem foi o verdadeiro inventor, o importante é que esses homens, com suas mentes extraordinárias, acabaram concedendo-nos essa invenção revolucionária que elimina distâncias, rompe fronteiras e aproxima pessoas. O que eles não sabiam era que as limitações de alguns seres humanos transformariam esse fabuloso invento em um instrumento causador de irritação para com seu semelhante.
Uma dessas experiências irritantes, ao atendermos o telefone, é a grande charada imposta por algumas pessoas com a pergunta: adivinha quem é? Vamos raciocinar: você não está tendo nenhum contato físico com a pessoa que ligou - o que faz com que a única chance de você descobrir quem é será pelo reconhecimento da voz. E o único momento em que você escuta a voz é quando ela faz a pergunta idiota: adivinha quem é? A solução é ignorá-la e desligar, no caso de insistência.
Outro ponto irritante envolvendo essa invenção é quando o telefone toca, a pessoa atende e, por algum motivo técnico, não consegue ouvir a voz de quem ligou. Com o silêncio instalado, a pessoa que atendeu inicia uma cadeia incessante de alôs. São sete, dez alôs, seguidos em um suplício desesperado por uma voz, por qualquer ruído que venha do outro lado da linha. Enquanto a seqüência de alôs é proferida, o pobre coitado que ligou, e que não consegue ser ouvido, não é capaz de refazer a ligação. E todos aqueles que estão ao lado da pessoa inconformada têm que sofrer com o bate-estaca de alôs na cabeça. No meu caso, falo no máximo dois; caso não obtenha resposta, desligo.
E quando a pessoa do outro lado da linha tem a voz de locutora de aeroporto gozando e que acabou de tomar um Lexotan? Deveria haver uma lei que proibisse pessoas que falam baixo ou para dentro de se aproximarem de um telefone. O que se ouve é uma voz ao fundo, tênue e calma, vinda de um universo paralelo. E você não consegue ouvir porra nenhuma. Além de ter que apertar com força o fone contra o ouvido, inventando quase que um tratamento para orelha de abano, você tenta mostrar à pessoa que não está conseguindo ouvi-la, dando gritos:
- O quê? Está baixa a ligação! Fala mais alto!
Mas a desgraçada continua falando no mesmo tom, só que pausadamente.
A ligação melhora e ai vem o ápice da tortura:
- Alô!
- Alô, por favor a Ciça.
- Desculpe, mas não mora ninguém aqui com esse nome.
Aliás, porque diabos começamos essa frase sempre pedindo desculpas? Desculpa de quê? Desculpa porque a Ciça não é minha irmã? Desculpa porque ela não é minha amiga? Desculpa por ela morar em outra casa? Faria mais sentido responder:
- Que pena! Não tem ninguém aqui com esse nome.
Enfim, após ter passado essa informação, você pode ouvir do outro lado da linha um silêncio sepulcral ou a seguinte questão:
- Ué? Qual o número daí?
Em que vai beneficiar a pessoa saber qual o meu número, se eu acabei de informá-la de que o meu número não é o número que ela deveria discar para encontrar a Ciça? Já sem paciência, me rendo e respondo:
- 3232-4455
Com a informação dada, duas respostas são possíveis:
- Ah! Então está explicado, eu tinha que ter discado o final 4456 e não 4455.
Apesar do fato de, sabendo o número correto que ela deveria ter discado não acrescentar nada em minha vida, a pessoa insiste em passar essa informação. Mas o pior é quando a pessoa dá a segunda opção de resposta:
- 3232-4455? Ué, mas está certo! Foi esse o número que a Ciça me deu.
Pausa no mundo. Fico sempre pensando nesse momento, qual o possível complemento para essa frase? Eu poderia responder:
- Ok. Vamos lá de novo. A Ciça lhe deu o telefone 3232-4455 que é o meu número. Como a Ciça não mora aqui e também não a conheço, podemos concluir que ou o número que ela lhe deu não estava certo ou você entendeu errado.
E a pessoa insiste:
- E agora? Eu precisava tanto falar com ela.
Com a certeza de que a pessoa ainda vai me fazer perder muito tempo com uma conversa que não vai dar em absolutamente nada, respiro fundo e, antes que eu tenha um surto psicótico e comece a xingá-la, desligo com a força e velocidade quase equivalentes à usada pelos juízes ao baterem o martelo para pedir silêncio no tribunal.
Não conseguiria imaginar minha vida sem o telefone e nem conseguiria resumir todos os benefícios que ele pode trazer para a humanidade. Com o celular, a voz pela internet e todos os avanços que estão por vir, a solução é trabalharmos a nossa paciência para com aqueles que não sabem desfrutar dessa máquina de forma coerente e normal e, em último caso, aperfeiçoarmos o tão conhecido gesto de desligar na cara da pessoa com a precisão e força de um guerreiro japonês.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Pessoal, semana que vem eu posto mais uma crônica. Enquanto isso, vou participar do joguinho entre blogs que o Brasil me convidou. Aí vai:

O joguinho é assim:
- Colocar o link de quem te indicou para a brincadeira;
- Escrever as regras para deixar o jogo mais claro;
- O mais importante: contar seis fatos aleatórios sobre você;
- Convocar seis blogueiros para fazerem o mesmo;
- Avisar os convocados.


1 – Sou uma dinamite com defeito, estouro de uma vez porque não tenho pavio.
2 – Sou papa goiaba (quem nasce em Niterói – RJ), mas odeio goiaba.
3 – Como boa geminiana, adoro fazer milhões de coisas ao mesmo tempo, mas nem sempre termino todas.
4 – Aprendi a rir das coisas ruins da vida, mas as pessoas ainda acham que eu sou irritada (desisti de convencê-las antes que eu me irritasse de verdade)
5 – Odeio que cantem parabéns pra mim no dia do meu aniversário (aguardem a crônica)
6 – Sempre quis ser a mãe dos sete anões, ao invés da Branca de Neve. Ela deve ter se divertido bem mais para ter feito 7 filhos.

Só não conheço 6 blogueiros para indicar (essa vou ficar devendo).

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Apertem os cintos!



Por ter morado em diversos lugares, os aeroportos, durante muito tempo, quase se transformaram na minha segunda casa. Foram inúmeras chegadas recheadas de alegria e expectativa de matar saudades e várias despedidas preenchidas com o vazio de deixar para trás, mesmo que por pouco tempo, as pessoas ou lugares que eu amava.
Mas o problema maior não era o aeroporto, e sim o fato de que nunca gostei, não gosto e nunca vou gostar de andar de avião. Sendo mais sincera, toda vez que opto por viajar pelo ar, já parto do pressuposto de que vou morrer. Meu ex-marido sempre argumentava:
- Fica tranqüila, se o avião cair são 99,99% de chance de você não sobreviver.
Relaxante, não?
Apesar do medo nunca deixei de voar, e sempre entro no avião com um olhar altivo, ao mesmo tempo desinteressado, como se estivesse indo à padaria. Simulo uma falsa segurança, pois acredito que se as pessoas perceberem o meu medo vão achar que eu sou algum tipo de idiota que está voando pela primeira vez.
Quando trabalhei na Renault tinha que viajar muito, e pensei que, com essas experiências compulsórias, acabaria me acostumando. Puro engano. Quanto mais você voa mais conhece os barulhos do avião, e qualquer ruído fora do padrão faz você congelar de medo.
Aliás, Deus podia ter-nos concedido a capacidade de voar. Pelo menos, assim teríamos em nossas mãos o total controle da viagem. Mas, como ele preferiu dar asas aos insetos e pássaros, dependemos da competência dos outros. Por isso, sempre tento achar uma solução que amenize meu medo. Uma das melhores que já concebi, mas nunca coloquei em prática, era me dopar com um lenço embebido em éter e ficar apagada durante todo o vôo. Quando acordasse, descobriria se estava viva ou morta.
O fato é que todo o processo, desde o check in até a saída do avião, é uma via crucis para mim. Cada etapa com a sua peculiaridade.
Abril de 2007. Aeroporto Santos Dummont. 5h30 da manhã. Cheguei ao check in, debrucei-me sobre o balcão, e entreguei o papel com o localizador do vôo para um simpático atendente chamado Marcos.
- Bom dia!
- Bom dia, é para São Paulo? – perguntou Marcos.
- Não, é Florianópolis, com conexão em São Paulo – disse eu.
- Vôo das 6h40? – ele questionou.
- Isso! – Confirmei.
- Pois hoje é o seu dia de sorte! – ele exclamou com um brilho nos olhos.
- Por quê? - perguntei apreensiva.
- Porque acabo de verificar que há uma vaga...
Instantaneamente tive vontade de colocar os dedos nos ouvidos e começar a cantar bem alto para abafar o complemento daquela frase.
- ...no vôo de 6h20 – disse o Marcos com um sorriso de ponta a ponta.
Com vontade de esganá-lo, esbravejei:
- O Sr. tem noção do que acabou de fazer?
- Não - respondeu ele com cara de ponto de interrogação.
- O Sr. acabou de colocar o destino da minha vida nas minhas próprias mãos! Agora vou ser obrigada a escolher entre duas opções, e isso não estava nos meus planos. Pense no problema que o senhor me causou. Eu posso trocar o vôo de 6h40 pelo de 6h20 e este avião cair. Ou eu posso decidir por permanecer com o vôo de 6h40, quando escolher o de 6h20 seria a minha salvação, pois o de 6h40 é o que vai cair.
- Mas minha senhora, nenhum avião vai cair – disse ele com um ar atordoado.
- O senhor não pode garantir isso, portanto não quero nem saber. Agora minha vida está em suas mãos. Caberá a você decidir em que vôo eu devo ir. E guarde bem o meu rosto, pois caso o avião escolhido por você caia, o senhor ficará com peso na consciência para o resto da sua vida.
Decidida e indignada, com a percepção de que o atendente teve a certeza de que eu era louca, dirigi-me à sala de embarque como um prisioneiro que caminha lentamente pelo corredor da morte. A sala de embarque é praticamente um zoológico recheado das mais variadas espécies: executivos, famílias em férias, adolescentes, idosos, etc. Um ponto que me intriga é quando os microfones anunciam:
- Srs. passageiros do vôo JJ3401 com destino a São Paulo: dentro de instantes daremos início ao embarque.
Existe um filtro auditivo que faz com que as pessoas ouçam:
- Srs. passageiros do vôo JJ3401 com destino a São Paulo, mesmo tendo assentos marcados, levantem-se imediatamente, briguem pelo primeiro lugar na fila e mofem por um tempo até o embarque começar.
E a fila quilométrica se forma.
Ticket entregue, avisto o avião imponente e preparado para receber seus passageiros. Nessa hora, um dos rituais que me deixam mais nervosa, adotado por algumas companhias aéreas, é fazer com que o piloto e co-piloto fiquem posicionados ao lado da escada de entrada do avião dando boas-vindas aos passageiros. Sempre encarei como um sinal do tipo: conheça aquele que será o causador da sua morte. Sem contar nos ímpetos de querer olhar bem fundo nos olhos do piloto e do co-piloto e dizer:
- Se deixarem esse avião cair eu juro que impeço a entrada de vocês no paraíso.
Ou perguntar:
- Vocês não deveriam estar na cabine verificando se está tudo ok e se concentrando para esse complexo trabalho que é pilotar um avião?Ainda nem tirei os pés do solo e a minha fobia de voar já começa a se manifestar. É o prenúncio do sofrimento que ainda está por vir. Santos Dummont devia ter parafusos a menos na cabeça; quem sabe até usou os parafusos retirados do próprio cérebro para construir com tanta ousadia e coragem essa máquina que nos dá, por alguns instantes, o privilégio de voar.

Então Tchau!


Um outro ponto que Deus deveria ter eliminado ao criar o ser humano seria a prolixidade. Ou então deveria ter criado um mundo paralelo só para os prolixos (com certeza esse mundo levaria algum tempo para ser formado, pois até eles chegarem a um consenso...) Um grande exemplo da prolixidade humana é o momento da despedida.
Reparem na despedida de um grupo de pessoas com a quantidade igual ou superior a três elementos. Não importa se você está saindo de um restaurante, da praia ou de uma festa na casa de um amigo. A despedida é sempre um momento eterno. Ela nunca se resume a um aperto de mão, a um forte abraço, ou a beijinhos. Não! Parece que a palavra tchau é a senha para se iniciar uma outra conversa interminável. E a extensão do novo assunto que se inicia é sempre proporcional ao quão desconfortável é o local da despedida: ao lado do carro num dia de inverno com a temperatura a 7 graus, na saída da praia com o pé queimando, na porta do restaurante após você ter decidido que deixaria para matar em casa aquela vontade de fazer xixi causada pelos vários copos de cerveja, e por aí vai.
E o pior é que sempre começa com um alarme falso: as pessoas dão beijinhos e abraços de despedida. Você tem a esperança de que elas vão se dispersar, mas, a partir daí, inicia-se a conversa interminável. E, normalmente, quem a puxa é o desgraçado que menos falou durante todo o encontro.
Exemplifico. Uma sexta-feira de julho. Curitiba. Temperatura média de 7°. Galera da Renault, onde eu trabalhava, reunida − 15 pessoas − para comer uma pizza em um daqueles rodízios que oferecem 100 sabores. Tínhamos esse encontro como um hábito para comemorar o início do fim de semana ou o final de mais uma semana de trabalho, tanto faz. Mas essa sexta era especial, pois íamos discutir detalhes de como seria a festa surpresa de despedida do nosso amigo francês Benoit. Entre uma garfada e outra, discutimos que passos adotaríamos para ele não desconfiar de nada. Aproximadamente à 1h da manhã, quando eu sentia os 7° que o termômetro marcava como se fossem 3°, inicia-se a despedida após a orgia alimentar. Estávamos todos parados de forma dispersa na porta do restaurante. O congelamento, assim que eu coloquei os pés fora do estabelecimento, parecia instantâneo. Tinha forte sensação de que o sangue havia parado de circular em minhas veias. E o arrepio que senti não foi de frio, mas sim de pensar quanto tempo levaria aquele momento de despedida com tanta gente envolvida. Tentei em vão dar um grito geral de tchau, aquele que você fala já se deslocando. Mas minha voz sumiu em meio aos estalos de dois beijinhos e abraços.
Foi quando o Sidney resolveu perguntar:
- Mas que música vamos colocar para recebê-lo?

- Acho que deveríamos tocar o hino francês já que ele está voltando para a França – falou Carla.
Tento sem êxito acabar com o impasse:
- Que tal cada um mandar a sugestão por e-mail? Aí depois resolvemos!
Fui totalmente ignorada.
- Não! O ideal é tocarmos um samba, para celebrarmos o fato de ele ter vivido a nossa cultura! – propôs André.
- E que tal gravarmos com a nossa voz um samba cantado em francês? – completou Marinalva.
E a maldita discussão de que música iríamos colocar na despedida começou a tomar proporções nababescas. Lembrem-se, 7 graus de temperatura e já se passaram 5 minutos desde que o primeiro tchau foi proclamado. Calculem: se o encontro no restaurante durou uma hora e gastamos 10 minutos na despedida, esse tempo de despedida representou 17% do tempo em que ficamos no restaurante. Então, por que diabos não se permanece mais tempo dentro do estabelecimento até acabar todo o assunto? No momento em que o garçom leva a conta e que todos se levantam, tenho vontade de perguntar,: alguém tem algo a acrescentar? Fale agora ou cale-se para sempre!
Já percebi, no entanto, que a solução é interromper o grande debate de despedida com um: então tá, gente, pelo amor de Deus vamos embora! Ou iniciar uma seqüência de espirros falsos para que pensem que estou apanhando uma tremenda gripe. O pior é que, ao conseguir o feito, as pessoas esquecem que já trocamos beijinhos e abraços no início da despedida e iniciam um novo ciclo que demora, pelo menos, mais três minutos. Tenho a leve desconfiança de que é por isso que na Itália, ao se encontrarem, as pessoas dão tchau ao invés de oi.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Que Deus não me ouça!


Que Deus não me ouça, mas quando dá tudo muito certo na vida, a chance dessa vida perfeita tornar-se monótona é grande (já ouço o coro de uma minoria: invejosa, mal amada!!). E, antes que o coro aumente, não estou desejando uma vida recheada de acontecimentos ruins, mas, sim, de acontecimentos inusitados que, na maioria das vezes, nos levam a questionar planos e comportamentos que aparentemente são perfeitos.
Então, a minoria que me desculpe, mas sofrer o impacto de variáveis que influenciam e mudam os nossos planos perfeitos tem também seu lado positivo. Saímos da zona de conforto, e passamos a enxergar, de forma diferente, padrões e comportamentos que nos são apresentados como normais.
Tentei ter uma vida linear, mas meus esforços foram em vão. Ao invés de fixar raízes em um único lugar, morei em diversas cidades, além de Niterói – RJ, onde nasci: Curitiba, Salvador, San Diego, na Califórnia e Florianópolis. Casei-me. Cinco anos depois me separei. Tenho 37 anos. Não tenho filhos. Formei-me em Publicidade e Propaganda, mas sempre trabalhei na área de marketing. E, dentre todos os acontecimentos que de alguma forma “entortaram” minha vida, o divórcio foi o que mais me marcou. É sempre uma fase difícil, angustiante, devastadora. É a destruição de um cenário, supostamente perfeito, no qual todos querem estar. Foi nessa fase que, assistindo ao filme “O Clube da Luta”, achei ter encontrado a resposta para tudo o que estava acontecendo na minha vida, quando o ator Edward Norton falou: “você deve aceitar a idéia de que, de repente, Deus não gosta de você”. Aí estava a chave de tudo: a força superior estava contra mim, queria castigar-me. Até que percebi o quão idiota era esse pensamento, e virei o jogo. Comecei a pensar que sempre existe um lado positivo até mesmo nos acontecimentos que jogam por água abaixo tudo aquilo que projetamos. Passei a enxergar que, quando uma variável qualquer muda o curso de nossas vidas, conseguimos analisar as coisas sob outro ângulo, ângulo esse que fica escamoteado quando vivemos de forma linear, padronizada, pasteurizada.
A partir daí vi o quanto é mais leve e fácil rirmos das nossas desgraças, sermos sarcásticos diante das intempéries e mini-catástrofes do nosso dia-a-dia. E que sempre, seja lá com o que ou com quem estivermos lidando - um objeto, a natureza, um comportamento, o próprio ser humano - podemos encarar sob outra perspectiva.
Foi assim que resolvi escrever. Sobre coisas que me irritam, sobre padrões de comportamento que já não me parecem tão naturais, sobre acontecimentos que podem levar qualquer ser humano até a tênue linha entre a sanidade e a loucura. Mas o “olhar” sobre todas as coisas que escrevi é um “olhar” diferente, desconfiado, debochado. Busquei rechear cada um dos textos com humor e sarcasmo. Porque levar a vida muito a sério, só encurta o tempo que temos para aproveitá-la. E que Deus não me ouça!

Inverno ou Inferno? Só muda uma letra...


A unanimidade é burra. A frase de Nelson Rodrigues é sábia. Por isso, desculpem-me os que gostam, mas eu odeio o inverno. O meu ódio pode até ser atribuído ao fato de eu ter deixado os 40° do Rio de Janeiro, depois de 28 anos, para sobreviver às baixas temperaturas de Curitiba. Mas não é um ódio gratuito. Posso listar alguns motivos que me fazem desejar a total eliminação dessa estação do ano e, antes que me perguntem, não sou a favor do aquecimento global.
Desde os primórdios, o inverno não era associado a coisas positivas. O paraíso, por exemplo, retratado em Gênesis, tem como principais habitantes Adão e Eva. E por acaso algum dos dois está vestido com casaco de lã e cachecol? Claro que não! O paraíso é quente, e a vestimenta deles se resume a uma pequena folha de parreira. Já o inferno é descrito como um lugar quente e cheio de labaredas. Na minha opinião, o inferno era gelado, mas o diabo, não suportando o frio, decidiu fazer uma enorme fogueira e acabou incendiando todo o local.
Os diretores de filmes de terror, por exemplo, têm uma visão negativa do inverno. Ou alguém se lembra de algum filme desse gênero que tenha, como pano de fundo, uma praia ou qualquer cenário colorido característico do verão? Quando o gênero é terror não há escapatória, os filmes estão sempre emoldurados por uma paisagem fria, cinza e escura.
Pensem que de inverno para inferno só muda uma letra. As plantas secam, pessoas morrem de hipotermia, ficam resfriadas; a maioria das atividades tem que ser indoor. Tudo, absolutamente tudo, precisa de um ritual.
Quando me mudei para Curitiba, lembro que meu primeiro martírio foi tomar banho. Transformava o banheiro na abertura do seriado “Além da Imaginação”. Conseguia o efeito da fumaça com o chuveiro ligado no quente máximo. Após essa fase, vinha o banho em si. A água e um lança chamas passavam a ser sinônimos. E quando resolvi seguir o ritual que adotava quando morava no Rio? Banho morno e uma gostosa chuveirada gelada no final. Quando dei essa chuveirada e a água gelada atingiu minha cabeça, tive certeza de que metade das minhas idéias desapareceu do meu cérebro. A água gelada tinha a temperatura equivalente à água que se acumulava na gaveta do congelador.
E como se comportar diante do vaso sanitário? Já que não contamos ainda com a tecnologia japonesa dos assentos aquecidos, a ginástica, pelo menos a que adotei, era primeiro sentar-me sobre as mãos para, aos poucos, ir permitindo o contato da coxa com a tampa. É preciso também desenvolver a capacidade de prever, com pelo menos cinco minutos de antecedência, a vontade de ir ao banheiro, pois tirar toda a roupa pode levar algum tempo. Existe ainda o agravante de que, nessa “maravilhosa” época do ano, transpiramos menos e acabamos urinando mais, sendo maior o número de vezes que temos que visitar o banheiro.
Ainda há os entusiastas do inverno que afirmam, veementemente, ser essa a época do ano em que nos vestimos melhor, ficamos mais elegantes. Vale para quem nasceu em um lugar frio. Mas para quem, como eu, cresceu no Rio de Janeiro, saber se comportar e se movimentar com tanta roupa é quase o mesmo desafio de aprender uma arte marcial. A quantidade de roupa é tão grande que os movimentos mais básicos são travados. Alguém por acaso consegue teclar no computador vestindo uma luva de lã? E o tal do sobretudo? Esse foi o mais traumático para mim. Era praticamente a capa do Batman só que sem seus superpoderes.
Voltando à Curitiba, lembro-me de ter experimentado quase todas as doenças respiratórias. Todas acompanhadas da maldita corisa. Conviver com corisa é quase o equivalente a ser torturada com pequenas e contínuas alfinetadas. A secreção mucosa vai sendo eliminada na velocidade de uma goteira e o nariz vai sendo ininterruptamente esfolado, até você ter a convicção de que prefere arrancá-lo e passar a respirar apenas pela boca. E para sobreviver na cama, na hora de dormir? Lembro-me de ter que passar o ferro no lençol antes de me deitar; do contrário, era a mesma sensação de mergulhar em uma piscina gelada.
Quando já morava em Florianópolis, fui visitar a minha grande amiga Rosa, em Curitiba. Dormi no sofá-cama do seu quarto de hóspedes. Ciente da minha ojeriza pelo frio, ela me cobriu com um edredom, um lençol e um cobertor de lã – todos da sua cama principal que era king-super-mega-ultra-size. Depois que me deitei embaixo de tudo isso, tive um ataque de claustrofobia. Senti que estava em um treinamento para sobrevivência em soterramento. No meio da noite, queria levantar para fazer xixi e não conseguia sair de todo aquele peso. Pensei até em pedir ajuda pelo celular. E qual é a dica para uma pessoa agitada como eu que muda de posição pelo menos vinte vezes antes de pegar no sono, lidar com tamanho peso de cobertas? Até conseguir a posição ideal você se torna praticamente uma toalha retorcida.
Existem ainda aqueles que dizem ser o inverno a melhor estação do ano para namorar. Então porque será que as pessoas, ao invés de fazerem sexo na temperatura real dessa estação, simulam, com o aquecedor, um dia de verão no quarto.
Não adianta, tudo no inverno acaba se tornando negativo. Se você está na praia em um dia de verão e bate uma brisa, é uma bênção. Já no inverno, qualquer sopro de ar nos faz arrepiar dos pés à cabeça. Por que Deus não pensou em conceber um vento quente para o inverno? E as propagandas na TV? No verão, assistimos a um desfile de propagandas com pessoas felizes, cheias de saúde, na praia, tomando cerveja. Já no inverno, inicia-se a maratona dos comerciais relacionados a doenças: é remédio para resfriado, pneumonia, asma, nariz entupido, e por aí vai.
Apesar dos meus argumentos, tenho sempre que lidar com aqueles que querem me convencer que o inverno é bom. Mas, por mais que me tentem provar o contrário, eu odeio o inverno e ponto final. Acostumar-me com ele, nunca. Conformar-me, estou tentando...

A intenção de Satã


Acreditem: se satã fez um esboço de como dominaria o mundo, o computador estava incluído nesse rascunho como sua principal arma psicológica para danificar a mente humana. A parte angelical dessa máquina nos ilude. O teclado é para nos dar a sensação de estarmos no comando. A tela é recheada de cores e ícones para parecer que estamos em um mundo mágico, onde tudo é possível. Entretanto, o cérebro da máquina está na CPU, local praticamente proibido para nós, leigos. A maldita tem um disco rígido. Não é flexível, é rígido.
Contando que passamos grande parte do nosso dia no trabalho e que, atualmente, a maioria das profissões são exercidas com o auxílio do computador, podemos concluir que somos torturados e atormentados por essa máquina incessantemente.
Algumas das mensagens emitidas, atestam os requintes de crueldade a que estamos expostos. Uma das mais irritantes, e que me leva a esmurrar a mesa na esperança de frear o ímpeto de dar marretadas no computador é “este programa não está respondendo”. O gerúndio é totalmente enganador; dá-nos a ilusão de que, em algum momento, ele pode vir a responder, o que é uma grande mentira. A mensagem correta seria: o computador decidiu que, a partir desse momento, não responderá mais aos seus comandos. E, com o intuito de aumentar a nossa raiva, com a decisão de que ele não irá mais responder, os dados digitados e não-salvos ficarão congelados bem em frente aos nossos olhos, como se estivessem em um mundo paralelo, inatingível a nós, humanos.
Uma outra mensagem que me faz ter saudades da máquina de escrever é “não foi possível reconhecer o teclado. Por favor, pressione a tecla F1 para solucionar o problema”. Essa nem Einstein conseguiria resolver.
Outro comunicado irritante é “esta página está com erro irreparável. Clique Ok para fechá-la.” Primeiro, o que ele faz questão de desprezar e que chama de “esta página” nada mais é do que o trabalho que levamos horas para digitar e nos esquecemos de salvar. Mas, o pior, é mandar que a gente clique no ok para fechar a página. Clique no ok? Ok para quem?
O melhor é quando aparece a mensagem bombástica de que “está página contém alguns itens que não são seguros. Deseja exibi-los?”. É como se alguém perguntasse: nessa sala estão reunidos Saddam Hussein, Fernandinho Beiramar e Hitler, todos eles armados e furiosos. Você deseja entrar?
Acredito ainda que a impunidade deva imperar no mundo da informática, já que os computadores se sentem no direito divino de nos fazer acusações injustas, baseadas no nada. Como, por exemplo, “você realizou uma operação ilegal e este programa será fechado”. Normalmente, essa acusação acontece quando estamos simplesmente olhando para a tela, sem sequer tocá-lo. É como ser acusado de um crime que você nem sabe aonde ocorreu. Aliás, os policiais de elite deveriam fazer um treinamento psicológico anterior à prática, que consistiria em trabalhar por um mês como usuários de computadores. Após o período estipulado, aqueles que não enlouqueceram estariam preparados para qualquer situação de pressão e suspense. Porque ter como companheiro de cotidiano o computador, é agüentar a constante pressão de acabar logo o que deve ser feito, antes que algum problema inédito apareça, e sobreviver ao suspense de ser interpelado a qualquer momento por mensagens indecifráveis.
Falando em indecifrável, os programadores poderiam nos poupar das charadas e das mensagens incompreensíveis que invadem nossos olhos. Mensagens “esclarecedoras” como ““0x2753a7d0” fez referência à memória no “0x2753a7d0”. A memória não pode ser “read”. Clique em OK para encerrar o programa”. E ficamos lá, pasmos, como se estivéssemos falando com algum estrangeiro, de cuja língua não sabemos nem o básico.
Não é a toa que, em um parque em Los Angeles, você pode pagar dez dólares para destruir a marretadas um computador completo. Uma forma deliciosa de exorcizar nossa raiva sobre essa engenhoca que consegue, concomitantemente, facilitar e atormentar nossa vida.